terça-feira, 15 de março de 2011

O Vinho Verde na obra de Eça de Queirós

J. A. Gonçalves Guimarães*
Susana Guimarães**
Resumo:

É por demais conhecida a importância que Eça de Queirós atribui na sua obra ao vinho, nomeadamente ao Vinho Verde, de tal modo que, ao longo do século XX se foram produzindo afirmações e produtos vinícolas muito para além daquilo que o escritor deixou escrito sobre a matéria.
            Nesta comunicação os autores revisitam aquilo que o escritor realmente escreveu sobre o Vinho Verde e as condições da sua produção na sua época e, através da consulta de documentação inédita, procuram estabelecer os contactos do escritor com essa realidade desde, pelo menos, a adolescência, o que lhes permite afirmar: foi no Porto e muito jovem que Eça de Queirós viu produzir vinho verde e o bebeu habitualmente.

Abstract
The importance that Eça de Queirós attributes to wine in his work, namely to Vinho Verde (tart wine) is highly known, in such a way that along the 20th century statements and wine products have been produced far beyond what the writer left written about the subject.
In this lecture the authors revise what the writer really wrote about Vinho Verde (tart wine) and production conditions of the time and, through the analysis of inedited documentation, try to establish the writer’s contacts with that reality since, at least, adolescence, what allows them to affirm: it was in Oporto and very young that Eça de Queirós watched the production of Vinho Verde (tart wine) and frequently drank it.


* Mestre em Arqueologia pela FLUP; director do Solar Condes de Resende; investigador do GEHVID.

** Mestre em Estudos Locais e Regionais pela FLUP; Técnica Superior de História da GAIANIMA, E.M., no Solar Condes de Resende; investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património (GHAP).


1. O vinho na obra de Eça de Queirós

            O tema vinho, e em especial os vinhos portugueses, estão presentes em toda a obra de Eça de Queirós, sendo mesmo um assunto de destaque e referência do próprio autor e não apenas um mero pormenor do cenário ou dos adereços das suas composições literárias, ou curiosidade económica dos seus textos consulares, ou componente social das suas crónicas jornalísticas, conforme já anotaram alguns dos seus comentadores 1.
            Sobre o tema “vinha”, “vinho” e “vinhos”, Dário Moreira de Castro Alves, no seu livro Era Porto e entardecia. De absinto a zurrapa. Dicionário de vinhos e bebidas alcoólicas em geral na obra de Eça de Queiroz. Lisboa: Pandora, 1994, coligiu mais de trezentas entradas gerais e particulares sobre todos os tipos de vinhos e “situações vinícolas” em toda a obra queirosiana, nomeadamente sobre os vinhos verdes. Parece pois que está tudo dito e que uma comunicação como esta é redundante ou mesmo inútil. Mas não é assim: em primeiro lugar porque a maior parte dos seus comentadores tem partido da obra literária, portanto ficcional, para a procura da realidade, o que não nos parece método científico seguro para fazer a ponte entre ambas, ou seja, por um lado a História e, pelo outro, a fantasia ou liberdade do escritor. As análises literárias e artísticas para serem científicas carecem de metodologia… científica, como cantariam também aqui os soldados ao marechal de La Palice 2. Se queremos abordar o tema vinho na obra de Eça de Queirós, para além de lermos as suas páginas de admirável prosa, convém igualmente analisar esse tema na realidade geográfica, social e cultural em que o escritor o encontrou no seu tempo e, antes de mais, determinar exactamente se ele escreveu sobre uma realidade que conhecia pessoalmente ou se esta lhe chegava em segunda mão, através de leituras ou de informações de outros, o que, num literato não é invulgar; veja-se, por exemplo, O Mandarim: sabendo-se que Eça nunca esteve na China, não deixa de ser uma metáfora chinesa.   
            Por outro lado temos vindo a assistir ao curioso facto de o público ledor ou divulgador de temas culturais estar a considerar as fantasias literárias como factos históricos, económicos, até geográficos, sem que ninguém se importe com isso, antes pelo contrário, havendo mesmo uma curiosa indústria turística que vende produtos pseudo-históricos, que lhe chegam pela via literária ou jornalística, como se de verdades irrefutáveis se tratassem: o balcão de Julieta em Verona, comparado com alguns outros exemplos em que a Literatura passa por ser História, é até bastante ingénuo…
            Voltemos pois ao vinho na obra de Eça de Queirós: sobre os vinhos portugueses encontramos aí as seguintes referências 3:


Região vinícola
Obra
Nº citações
Total
Bairrada
O Crime do Padre Amaro
1
1
Bucelas
Os Maias
A Capital
A Relíquia
3
1
1


6
Cartaxo
O Primo Basílio
Uma Campanha Alegre
1
1

2
Colares
A Tragédia da Rua das Flores
A Capital
O Primo Basílio
Alves & Cª.
Os Maias
José Matias, Contos
A Ilustre Casa de Ramires
Bilhetes de Paris
Cartas Inéditas de Fradique Mendes
Correspondência
O Mandarim
Uma Campanha Alegre
9
5
4
3
3
2
1
1
1
1
1
1











32
Douro
A Ilustre Casa de Ramires
Correspondência
1
1

2
Madeira
A Cidade e as Serras
A Relíquia
Civilização, Contos
O Crime do Padre Amaro
O Primo Basílio
Os Maias
Uma Campanha Alegre
1
1
1
1
1
1
1






7
Porto
O Crime do Padre Amaro
Os Maias
Alves & Cª.
A Cidade e as Serras
A Ilustre Casa de Ramires
A Capital
A Relíquia
O Conde de Abranhos
O Primo Basílio
Cartas Inéditas de Fradique Mendes
Correspondência
Singularidades de uma Rapariga Loira
Uma Campanha Alegre
10
7
5
4
3
2
2
2
2
1
1
1
1












41
Torres
A Cidade e as Serras
A Correspondência de Fradique Mendes
Correspondência
1
1
1


3
Verde
A Ilustre Casa de Ramires
Notas Contemporâneas
A Capital
Correspondência
Correspondência de Fradique Mendes
Singularidades de uma Rapariga Loira
15
2
1
1
1
1





20



            A ordem dos tipos de vinhos citados com mais referências é pois a seguinte:
Porto – 41; Colares – 32; Verde – 20; Madeira – 7; Bucelas – 6; Torres Vedras – 3; Cartaxo – 2; Douro – 2; Bairrada – 1.
Dos vinhos específicos referidos em cada obra, a posição é a seguinte:
Obras
Vinho
N.º citações
Total
A Ilustre Casa de Ramires
Verde
15


Porto
3


Colares
1


Douro
1
20
Os Maias
Porto
7


Bucelas
3


Colares
3


Madeira
1
14
O Crime do Padre Amaro
Porto
10


Bairrada
1


Madeira
1
12
A Tragédia da Rua das Flores
Colares
9
9
A Capital
Colares
5


Porto
2


Bucelas
1


Verde
1
9
Alves & Cª.
Porto
5


Colares
3
8
O Primo Basílio
Colares
4


Porto
2


Cartaxo
1


Madeira
1
8
A Cidade e as Serra
Porto
4


Madeira
2


Torres
1


Verde
0
7
A Relíquia
Porto
2


Bucelas
1


Madeira
1
4
Uma Campanha Alegre
Cartaxo
1


Colares
1


Madeira
1


Porto
1
4
Outras obras
Colares
6


Verde
5


Porto
5


Torres
2


Douro
1


Madeira
1
20


                                                                                                                              

            Podemos pois desde já concluir que, no que diz respeito a vinhos portugueses específicos (e não a vinhas ou vinhos em geral), nas obras de Eça de Queirós o mais citado é o Porto (36%), seguido do Colares (28%) e do Verde (17,5%), ficando os restantes muito abaixo destes três. A obra com maior número de referências vinícolas específicas é A Ilustre Casa de Ramires, na qual 75% do total o são ao Vinho Verde, o qual volta a aparecer referido em A Capital e em algumas outras obras. Mas não aparece nem no conto «Civilização», nem no seu desenvolvimento que deu origem ao romance A Cidade e as Serras, onde se fala em vinho, em muito vinho local, mas nunca em vinho verde. Veremos porquê.  
            Este vinho, tem, como vimos, um lugar importante na obra de Eça de Queirós. E na vida do autor?


2. O Vinho Verde no itinerário queirosiano

            Eça de Queirós nasceu a 25 de Novembro de 1845 na Póvoa de Varzim, em plena região dos vinhos verdes. Por certo não o começou a beber logo em criança, mas com certeza o beberia sua ama de leite, até porque as mulheres oitocentistas acreditavam que o consumo de vinho aumentava a lactação 4.
            No século XIX as crianças bebiam regularmente vinho, pois acreditava-se que tal estimulava o seu apetite e o seu desenvolvimento. Eça de Queirós em As Farpas recomenda que se dê «uma colher de vinho generoso por dia» às crianças como estimulante 5. Quem não tinha vinho generoso por certo lhes dava o vinho corrente na terra.
            Em 1850, ainda menino, foi viver para Verdemilho, Aveiro, para casa de seu avô paterno 6. Aqui por certo o vinho era outro, mas sendo Aveiro um porto de mar, para além dos vinhos da Bairrada, aqui deviam chegar também vinhos do Douro e verdes 7.
            Em 1855, portanto com dez anos, virá para o Porto, a cidade famosa pelos vinhos do Douro para embarque mas que também tinha videiras que produziam vinho verde de consumo. Em 1866 ainda este se cultivava nas freguesias dos subúrbios em Campanhã, Bonfim, Paranhos e Cedofeita, e também nos concelhos limítrofes de Bouças (Matosinhos), Gaia, Gondomar, Maia e Valongo, para além de todos os restantes concelhos do distrito e de toda a província de Entre-Douro-e-Minho, que para aqui o enviavam para suprir a fraca produção local, e também daqui saíam por cabotagem para os restantes portos a sul da Barra do Douro e para o Brasil 8.
            Nesta cidade fica instalado em casa do tio Albuquerque, na Rua de Cedofeita, enquanto frequenta como aluno semi-interno o Colégio da Lapa. Aí conheceu, entre outros, Luís Benedito e Manuel Benedito de Castro Pamplona, filhos dos condes de Resende, que residiam ali perto na Quinta de Santo Ovídio, precisamente entre o Campo da Restauração e a Rua de Cedofeita, onde residia. O colégio ficava por detrás do Quartel de Santo Ovídio, que fechava a praça a norte à ilharga da igreja da Ordem da Lapa. Como veremos, na quinta dos seus condiscípulos, produzia-se vinho verde, mas também se recolhia o vinho de outras propriedades da família, nomeadamente o branco e o tinto da Quinta de Vila Nova, Santa Cruz do Douro, Baião, o verde da Quinta de Beire, Paredes, e o maduro da Quinta da Cabêda, Vilar de Maçada, concelho de Alijó. Até 1861, quando aos dezasseis anos vai para a Universidade de Coimbra, o seu trajecto diário era pois entre Cedofeita, a Quinta de Santo Ovídio, o Campo da Restauração e a Lapa, em cujas hortas, aos domingos, os galegos dançavam «debaixo do parreiral, ao som da gaita-de-foles…Depois a caneca de vinho verde passava em redor…» conforme escreveu em A Capital ao biografar o pequeno Artur, personagem central do romance, então no Porto 9. Sendo seu tio Albuquerque originário de Viana do Castelo, por certo daí receberia vinho verde para consumo de casa; na casa dos amigos Resende conheceu Eça os vinhos verdes (e os outros) já citados, que beberia regularmente como qualquer jovem da sua época. Será então daqui que lhe virá o conhecimento e o gosto por eles que tão bem revela nas suas obras, com gosto particular pelos de Amarante e de Monção.
            A Coimbra não chegariam os vinhos verdes, que a cidade tinha ali à mão os da Bairrada e do Dão. Nem tão pouco a Lisboa onde se encontra em 1866, ou a Évora onde reside no ano seguinte, muito menos ao Cairo para onde viaja em 1869, também não em Leiria e depois Lisboa outra vez. Quando em 1873 se encontra em Cuba manifesta ao seu amigo Ramalho Ortigão a infinita saudade que deles sentia, escrevendo-lhe então: «…constantemente penso nas belas estradas do Minho, nas aldeolas brancas e frias – e frias! – no bom vinho verde que eleva a alma…» 10.
            Quando regressa em 1874 vai ao Porto visitar os Resendes e beber os seus vinhos à Casa de Santo Ovídio. Depois novo “exílio” vinícola português em Newcastle, Bristol, Paris ...
            Em 1884 volta àquela cidade, indo depois passear pelo Minho com Ramalho e os irmãos Pindela e, com certeza, aproveitar a ocasião para matar a sede de verde. Em Setembro desse ano volta à Granja onde convive com os Resende, o que dará no seu casamento com Emília, uma das irmãs destes, na capela da Casa de Santo Ovídio a 10 de Fevereiro de 1886. Os noivos vão para Bristol, mas aqui voltam no Natal de 1886. Depois vão para Londres e, em Outubro do ano seguinte, para Paris, com várias andanças entre praias francesas e a capital britânica. Porém na década de noventa Eça de Queirós desloca-se várias vezes a Portugal e ao Norte, para tratar das partilhas e da parte da herança que coube a sua mulher por morte da condessa de Resende em 1890, nomeadamente a parte referente à venda em lotes da Quinta de Santo Ovídio em 1895, que assim deixou de produzir o seu vinho verde.
            Regressado a Paris, não lhe saíam do pensamento as saudades das coisas pátrias, que ía materializando nos romances A Cidade e as Serras e A Ilustre Casa de Ramires, que saíram póstumos.  
            No primeiro fala de vinho branco, muito vinho branco, vinho de Tarrafal (topónimo desconhecido 11), vinho de Tormes (que aliás começou por se chamar Torges no conto «Civilização» que precedeu o romance, ambos topónimos fictícios 12), sendo este «um vinho fresco, esperto, seivoso…» mas tinto, pois tal se deduz do «copo grosso que ele orlava de espuma rósea».
            Aí se fala ainda do vinho de Torres, Vedras, obviamente, além de Madeira e Porto.
            No romance A Ilustre Casa de Ramires, refere também vinhos brancos, vinho de Tordesilhas (outro topónimo que não existe em Portugal 13), vinho do abade de Chandim (outro topónimo fictício 14), vinho de Corvelo (outro topónimo fictício 15), e quinze referências a vinho verde, quatro das quais ao da Quinta de Vidainhos em Amarante (outro topónimo inventado 16). Este é pois, para além da referência fugaz em A Capital ao vinho verde que se bebia no Porto, o único romance de Eça onde este vinho é inequivocamente referido quinze vezes, para além de outras cinco referências em outros textos.
            Vários comentadores de Eça têm feito o curioso, mas inútil, exercício de, tal como aconteceu com a literária Tormes, tentarem identificar a ficcional “Casa de Ramires” com esta ou aquela propriedade, com conclusões que nos parecem, as mais das vezes, forçadas e abusivas 17. Tal “Casa” também nunca existiu: é uma metáfora à destruição da Quinta de Santo Ovídio, de tão gratas recordações para o escritor: afinal foi lá que conheceu os Resende e, entre eles, Emília, com quem viria a casar, como se disse, na capela da Casa em 1886 18. Porém, como esta propriedade era quase urbana, socorreu-se das referências às propriedades rústicas da família de sua mulher desde tempos medievos existentes na região produtora de vinhos verdes ou com relações com o Mosteiro de Santa Maria de Cárquere, que tinha propriedades espalhadas pela região, compondo assim o cenário medieval que precisava. Como é sabido, as propriedades feudais são todas muito parecidas e, repetimos, A Ilustre Casa de Ramires é uma obra de ficção e não um livro de História ou de Geografia agrícola.     
   
3- O Vinho Verde na segunda metade do século XIX

            Até agora temos procurado nesta prosa relacionar Eça de Queirós e o vinho verde, combinando os seus dados biográficos conhecidos com as referências literárias das suas obras, com as reservas que nos merecem uns e outras e sobretudo a sua combinação: a sua biografia ainda está em elaboração; a sua obra continua a ser objecto de sucessivas análises que ameaçam não terminar.
            Posto isto, e no que agora nos interessa, qual seria então o verdadeiro panorama da produção do vinho verde no seu tempo, fora da sua apreciação pessoal e das suas fantasias literárias? Para tal sabermos existe um documento precioso, a Memória sobre os processos de vinificação empregados nos principaes centros vinhateiros do continente do Reino…, mandada elaborar em 1866 pelo ministro das Obras Públicas, Comércio e Industria, João de Andrade Corvo, que para tal nomeia uma comissão composta, entre outros, pelo visconde de Vila Maior, que fica encarregado de visitar os distritos vinhateiros a norte do Douro; estava então Eça de Queirós em Lisboa já com o seu diploma de bacharel em Direito.
            Do relatório produzido 19, publicado quando o escritor se encontrava no Alentejo a redigir o Districto de Évora, conclui-se o seguinte:
            Dos quarenta concelhos da província de Entre-Douro-e-Minho visitados pela comissão, só treze apresentavam vinhos verdes “de primeira”; “bons”; “bastante saborosos”; “de bom gosto”; “algum tinto excelente”; “gostosos” ou “muito bons”, a saber: Arcos de Valdevez; Ponte de Lima; Valença; Braga; Cabeceiras de Basto; Celorico de Basto; Fafe; Povoa de Lanhoso; Terras do Bouro; Vila Nova de Famalicão; Lousada e Paredes.
            Outros cinco concelhos apresentavam vinhos “sofrivelmente gostosos”; “melhores os produzidos junto ao Tâmega”; uns “mais espirituosos e de melhor gosto” que outros, ou “o branco mais do que o tinto”: estão neste caso os concelhos de Viana do Castelo, Amarante, Felgueiras, Marco de Canaveses e Penafiel.
            Os restantes vinte e dois concelhos, ou seja 55% dos considerados, tinham vinhos “ordinários”; “de qualidade medíocre”; “inferior”; “áspero”; “bastante ordinário”; “muito ordinário”; “geralmente medíocre” ou, na melhor das hipóteses, “regular”.
            Sobre o concelho de Baião diz o relatório: «É de muito pequena importância a produção vinícola deste concelho, onde, segundo as informações oficiais, são as freguesias de Santo André de Ancede e de Santa Maria do Zêzere as que produzem mais vinho…». E conclui: «Não havendo circunstância alguma especial que mereça ser referida em relação ao fabrico de vinho [verde] neste concelho, nada mais diremos a seu respeito». Seria ainda este o panorama vinícola de Baião quando Eça escreve A Cidade e as Serras? Não sabemos.
            Sobre os concelhos da margem esquerda do Douro onde também se produzia vinho verde, tirando Gaia, o relatório não menciona nem Cinfães nem Resende.   A sua produção e fama ou era então insignificante, ou o motivo seria outro, como veremos.
Mas, para além do consumo e opinião local, estes vinhos, como já se disse, circulavam, eram exportados para as cidades mais próximas e para o Brasil. Por exemplo, Barcelos produzia 4.299 hectolitros, bebia 2.049 e exportava 2.250; Vila Nova de Famalicão exportava o seu vinho para a Póvoa de Varzim e para o Porto. Quando se analisam os relatos literários ou outros não quantificados, sobre o vinho verde que se consumia num dado lugar, ou nesta ou naquela povoação, convém ter em conta que o mesmo pode não ser de produção local. E se era assim nas estalagens, casas de pasto, tabernas e hotéis, também o era na casa das grandes famílias de proprietários, os quais, possuindo diversas quintas espalhadas pelo território, concentravam na casa-mãe as melhores produções que recebiam dos seus rendeiros ou caseiros. O vinho verde que se bebia numa quinta dos arredores de Braga podia vir de Cabeceiras de Basto e o que se degustava numa casa do Porto podia vir de Penafiel. E quem o servia, vendia ou oferecia, só lhe referia a origem se ele fosse excelente, podendo também passar-se o contrário, sobretudo nas casas públicas, onde um mau vinho podia ser vendido como proveniente de um centro de produção famoso por o ter bom.
             Falta-nos pois uma história detalhada da produção dos vinhos verdes ao longo da segunda metade do século XIX para podermos enquadrar efectivamente as referências que Eça de Queirós lhes faz e comparar a realidade com as suas fantasias literárias.

4- O Vinho Verde dos Resendes 
    
            Enquanto não temos dados para ir mais além, permitam-nos que terminemos com uma pequena achega concreta sobre este tema, algumas referências encontradas nos livros de contabilidade da Casa dos Condes de Resende sobre a sua produção vinícola, nomeadamente do seu vinho verde, que o escritor com certeza conheceu e bebeu em muitas e variadas ocasiões.
            Analisando aquelas fontes 20 para os anos de 1854 a 1862 (estava então Eça a estudar no Porto) e de 1862 a 1868 (desde quando estudava em Coimbra até ao ano anterior à viagem ao Egipto e Palestina com o 5º Conde de Resende) 21. Vejamos em pormenor alguma actividade vinícola da Casa. 
            Antes de mais não temos quaisquer dúvidas de que a Quinta de Santo Ovídio produzia vinho verde: tal está expressamente referido na folha 47 do livro de Conta Corrente… com data de 22 de Março de 1854: «[Pelo producto] da venda de huma pipa de vinho verde da Quinta 24$000 [reis]». Aliás haveria nesse mesmo ano grandes trabalhos nas suas videiras: compram-se dúzias e dúzias «de varas para as parreiras» 22 e paus e madeira, pagando-se «ao carpinteiro por trabalho nas parreiras» por três vezes, a 11 a 14 e a 22 de Março. Há também a despesa de 36 mais 18 enxertos ainda em Fevereiro desse ano, uma despesa que a venda de duas pipas da colheita do ano anterior, no valor de 24$000 cada uma, cobre generosamente.
            A compra de dúzias de varas e de madeira «para as parreiras» continuará até 1868, porém a produção parecia estar a decair, pois já a 30 de Junho de 1858 se tinha anulado a «décima relativa ao vinho da Quinta» e a 16 de Fevereiro de 1860 faz-se uma «dedução no pagamento da décima pela falta do vinho» o que se virá a repetir mais tarde e, em 6 de Dezembro de 1866, a notícia de que o vinho da Quinta «se toldou», tendo mesmo assim sido vendido. A 18 de Fevereiro e 3 de Março desse ano vendem-se dois lotes de 24 videiras. A 16 de Outubro de 1858 e a 14 de Setembro de 1861 vende-se bagaço de uva da quinta.
            Existem também despesas relativas a tanoeiros para comporem as pipas e à compra de «cabazes para a vindima» além de «enxofradores» e respectivo enxofre.
            Em 1863 ainda se compram «5 dúzias de videiras para plantar». Se uma pipa de vinho verde da Quinta de Santo Ovídio em 1854 valia 24$000 reis, em 1862 já só valia 23$5000; a 12 de Dezembro de 1863 vendem-se 49 almudes por 42$000 reis, a 28 de Janeiro de 1865 a pipa já só vale 14$260 reis e a 30 de Janeiro de 1866 quatro pipas são vendidas por 40$000 reis (a 10$000 reis cada), havendo ainda a 26 de Outubro de 1866 a venda de uma pipa por 19$000 reis, registando-se a 7 de Maio do ano seguinte «um bónus pela decima do vinho, relativa ao ano de 1866».
            Continuando a venda de bagaço, também há registo da venda de «vinho azedo» e do «resto do vinho e borras».
            Cremos pois que estes dados demonstram que a Quinta de Santo Ovídio tinha uma significativa produção vinícola de vinho verde nos anos em que Eça de Queirós a frequentava e era seu vizinho, a qual deve ter continuado, ainda que em decadência, até à sua demolição na última década do século XIX.
            Mas, como já dissemos, a esta Quinta também chegavam os vinhos de Beire, Paredes, que a Memória… de 1867 diz serem verdes, predominando os tintos, sendo alguns «muito bons», com «bastante corpo, bela cor, suficiente força e bom gosto» 23. A 28 de Abril de 1862 o «encarregado de Beire» entrega 230$340 reis pela «venda de pão, azeite e vinho daquela quinta».
            Também aqui chegavam, como também já referimos, os vinhos de Cabêda, em Alijó, que não vamos agora tratar por não serem da área dos vinhos verdes, e também os da Quinta de Vila Nova Santa Cruz do Douro, Baião, nas qualidades branca e tinta, mas nunca referidos como vinhos verdes.
            Logo a 24 de Janeiro de 1854 do arrais Ricardo são recebidos 94$815 reis «resto do preço do vinho branco da Quinta de Vila Nova: ouro, prata, cobre». A 30 de Abril de 1855 o arrais José Francisco pelo mesmo produto entrega 237$780 reis. A 1 de Agosto desse ano recebe-se 129$600 reis pelo vinho tinto da mesma quinta, sucedendo-se as entregas de dinheiro do mesmo ao longo do ano e nos anos seguintes, o que nos leva a crer que esta propriedade da família produzia já então muito e bom vinho branco e tinto. A 11 de Novembro de 1859 o seu vinho valia 22$5000 reis a pipa, a 15 de Abril de 1860 valia 30$6000 reis e a 15 de Dezembro desse ano já estava a 40$000 reis. Era pois um vinho em ascensão na procura ou a melhorar substancialmente a qualidade. A 20 de Novembro de 1862 aceita-se um sinal pela sua venda de 22$500 reis, mas a 24 de Outubro de 1863, 135$000 reis «por conta do preço do vinho… de 1863» e depois a 19 de Dezembro mais 166$500 reis. A 7 de Abril de 1866, 361$210 reis pela venda do vinho e trigo da quinta de Vila Nova.
            É pois nestes anos de juventude, ou pelo menos, nos que antecederam o seu casamento, que Eça de Queirós conhece os vinhos brancos e tintos da Quinta de Vila Nova em Baião na Quinta de Santo Ovídio no Porto. Não foi pois nas três fugazes visitas que aí fez na década de noventa que os provou nem que deles ouviu falar pela primeira vez. De há muito os conhecia e apreciava e de tal se terá lembrado quando escreveu A Cidade e as Serras. Reparemos também no contraste entre a situação que encontramos nestas fontes – vinhos vendidos por bom preço – e o que diz a Memória… de 1867 sobre os vinhos de Baião. Creio que a explicação estará em que tal como Eça não lhes chamou verdes naquele romance, também o visconde de Vila Maior não os considerou como tal no seu relatório os vinhos produzidos na parte nascente do concelho, pela mesma razão: eram vinhos de transição para a região dos maduros do Douro 24. Não eram verdadeiros vinhos verdes. Mas ao colocar a Memória…que temos vindo a seguir, na mesma situação, os vinhos de Cinfães e de Resende, então “teremos de arranjar” outra geografia para A Ilustre Casa de Ramires, o romance de Eça onde mais vinho verde se bebe.

5- Conclusão   
             
            Eça de Queirós conheceu o vinho verde ainda muito novo, no Porto, na Quinta de Santo Ovídio, onde tomou contacto com o vinho aí produzido, mas também com o vinho verde de Beire e os de outras quintas da família Resende que também os tinham 25.
            Também nessa Quinta e na mesma época deve ter conhecido os vinhos brancos e tintos da Quinta de Vila Nova, Santa Cruz do Douro, Baião muitos anos depois assimilada à literária Tormes de A Cidade e as Serras, obra onde nunca se fala em vinho verde. O “vinho de Tormes” que Eça refere nesta obra é tinto.
            A Ilustre Casa de Ramires, obra na qual o escritor mais vezes refere o vinho verde é uma fantasia literária encenada na região do dito, como ela era entendida no século XIX, o que exclui os concelhos de Cinfães e Resende.
            Depois do Porto e do Colares, o vinho português que Eça mais apreciava era o Verde.

Notas

1              Ver ALVES, Dário Moreira de Castro (1994) – Era Porto e entardecia. De absinto a zurrapa. Dicionário de vinhos e bebidas alcoólicas em geral na obra de Eça de Queiroz. Lisboa: Pandora.
Em 2000 apareceu um livrinho de Francisco de Magalhães de Mascarenhas Gaivão, creio que edição do próprio datada de Coimbra, intitulado Enologia Queiroziana (vinho e “espíritos” na obra de EQ), o qual, além de não acrescentar nada à obra anterior, tem alguns erros históricos que convém corrigir: assim, por exemplo, na pág. 63, a propósito dos vinhos do Douro, diz-se que são os mesmos produzidos na «região mandada demarcar pelo Marquês de Pombal em 1757…» e que «tem origem nesta região… o célebre “Barca Velha” criado por Fernando Nicolau de Almeida na Quinta do Meão…»; ora a demarcação pombalina terminava no Cachão da Valeira em S. João da Pesqueira e a Quinta do Meão fica no concelho de Vila Nova de Foz Côa, portanto fora dela, e onde as tradições vinícolas de vinhos de qualidade remontam apenas às últimas décadas do século XIX, criadas então por D. Antónia Adelaide Ferreira e outros.
A estas abusivas e enganadoras generalidades a propósito do Douro e dos seus vinhos, já um de nós (J.A.G.G.) se referiu, entre outros textos, na recensão que fez ao livro Património D’Ouro, Em Relevo Produção Audiovisual, 2005, publicada no caderno Das Artes Das Letras de O Primeiro de Janeiro de 24 de 2005, pp. 18/19.  
2              Jacques de Chabannes, senhor de La Palice e marechal de França (1470-1525) a quem os seus soldados compuseram uma canção com os seguintes versos: «Um quarto de hora antes da sua morte/Ele ainda vivia…». Mas nem sempre o óbvio é perceptível a quem tem ideias feitas sobre o que não conhece.
3              Segundo ALVES 1994. Nas suas obras Eça de Queirós refere-se ainda amiudadamente a vinhos estrangeiros, alguns dos quais conhecia e apreciava, como o champanhe, e mesmo a vinhos desaparecidos, históricos e mitológicos.
Para as referências ao Vinho do Porto seguimos também ALVES, Dário Moreira de Castro (2001) – O Vinho do Porto na obra de Eça de Queirós. Sintra: Colares Editora.
4              Noutros tempos era vulgar as mulheres comerem “sopas de cavalo cansado” compostas por vinho, broa e açúcar ou uma “receita” composta por vinho, cerveja preta e açúcar amarelo, tudo isto para dar força e aumentar a lactação.
5              Cf. QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho (1871) – As Farpas. Crónica mensal da política, das letras e dos costumes, vol. I e II; coordenação geral e introdução de Maria Filoménica Mónica e notas, tabela onomástica e glossário de Maria José Marinho. Lisboa: Principia, 2004, vol. I, p. 204.
6              À falta de um exaustivo itinerário queirosiano, seguimos a cronologia publicada em MÓNICA, Maria Filomena (2001) – Eça de Queirós, 4ª edição. Lisboa: Quetzal Editores.
7              O vinho verde era exportado para diversos portos do país e para o Brasil conforme se vê na Memória…1867, citada na Nota seguinte; em A Ilustre Casa de Ramires, p. 451, citado por ALVES 1994:426, seria apreciado na Figueira da Foz, e mesmo em Lisboa, conforme se lê em REIS, António Batalha (1945) – Roteiro do Vinho Português. Lisboa:SNI, p. 73.
8              Cf. Memória sobre os processos de vinificação empregados nos principaes centros vinhateiros do continente do Reino apresentada ao Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Ministro das Obras Públicas, Commercio e Industria pela Commissão nomeada em Portaria de 10 de Agosto de 1866. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.
9              Citado por ALVES 1994: 424.
10            Carta para Ramalho Ortigão, envidada de Havana, 1873, citada por ALVES 1994:427.
11            Cf. FRAZÃO, A. C. Amaral (1981) – Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Porto: Editorial Domingos Barreira; Tarrafal existe em Cabo Verde, magnífica praia e simpática povoação de pescadores onde se encontram os edifícios do tenebroso presídio fundado pelo regime de Salazar.
12            Cf. FRAZÃO 1981; Tormes existe contudo em Espanha, denominando um afluente da margem esquerda do Douro Internacional. A colagem do nome da ficcional Quinta de Tormes à Quinta de Vila Nova, Santa Cruz do Douro, Baião, onde, desde 1990, está sediada a Fundação Eça de Queirós, é da responsabilidade de alguns comentadores da obra do escritor, todos literatos, mas nenhum geógrafo. Suponho que o primeiro terá sido António Cabral, que era natural desta freguesia e que assim pretendeu dar importância à sua terra natal, quando em 1916 publicou Eça de Queiroz. A sua vida e a sua obra. Cartas e documentos inéditos, que em 1920 teve uma 2ª edição, Lisboa: Portugal Brasil Limitada. Mesmo assim encontrou algumas discrepâncias entre a «Tormes fantasiada» e a «Vila Nova da realidade», como por exemplo «aquela ampla avenida de faias, de “fidalga gravidade”, que Eça de Queiroz ideou em frente do portão brazonado da fértil quinta de Tormes» (op. cit., 2ª edição, p. 324). Se mais procurasse outras discrepâncias geográficas encontraria.
Depois em 1946, o Conde d’Aurora, ao publicar a sua conferência Eça de Queiroz e a Nobreza. Lisboa: Portugália, ilustrou-a com «Desenhos inéditos, e os primeiros que se fizeram da Casa de Vila Nova em Santa Cruz do Douro, única “paisagem” real de toda a obra de Eça, garantidamente, onde ele situou Tormes». Estava então “oficializada”, quarenta e seis anos após a morte do escritor, a identificação da Quinta de Vila Nova com a ficcional Tormes.   
 Trata-se pois de uma ficção feita a partir da ficção queirosiana e não de um facto histórico. Um balcão de Julieta. Eça só terá ido três ou quatro vezes àquela Quinta, muito pouco tempo para tanta literatura. A trama do enredo de A Cidade e as Serras já estaria alinhavada antes dessas visitas. Recordemos que Eça foi pela 1ª vez a Santa Cruz do Douro em Maio de 1892 e que o conto «Civilização» foi publicado em Outubro desse ano no Rio de Janeiro. Mas possivelmente já estaria escrito antes daquela primeira visita, até porque o escritor tinha uma prosa elaborada e demorada. Mas é perfeitamente aceitável que alguns aspectos da quinta fossem incluídos em A Cidade e as Serras, cujas provas estavam a ser revistas em 1895. Mas em 1893 o próprio autor chamou-lhe uma «nouvelle phantaisiste» (Dicionário…1988:147).
A Quinta, e os seus arredores, naturalmente forneceram-lhe mais alguns pormenores para parte do cenário, das personagens e do enquadramento da acção. Há ainda a questão de grande parte do livro ter sido revisto (?) por Ramalho Ortigão e não pelo próprio Eça. Ora este seu amigo é o precursor da Literatura turística em Portugal, tal como ela era entendida no final do século XIX e que tem vigorado até ao presente, socorrendo-se de tudo o que é fantasia, em detrimento da investigação histórica, para promover o turismo local. Veja-se ainda, a este propósito, o Dicionário de Eça de Queiroz, organização e coordenação de A. Campos Matos. Lisboa: Caminho, 1988, pp. 619/620.   
Obviamente que tal fantasia não contraria a respeitabilidade da existência naquela quinta da Fundação Eça de Queirós e da sua acção na divulgação da vida e obra do escritor, que viu ali reunidos e salvaguardados muitos dos seus objectos e documentos pessoais. Quanto ao que agora chamam vinho de Tormes, ficcional também, pois é branco e apresentado como verde, por ser originário da região (administrativa) dos vinhos verdes, bebamo-lo, pois é agradável. Mas não é sequer parecido com aquele que Eça descreveu como vinho de Tormes, como se pode ver, apesar das hesitações, em ALVES 1994:383.
13            Cf. FRAZÃO 1981; Tordesilhas existe em Espanha, a povoação onde Portugal e a Espanha repartiram o mundo entre si a 7 de Junho em 1494, o que aqui está fora de contexto. Na obra de Eça é mesmo um topónimo inventado, pois mesmo a povoação castelhana nunca foi produtora de vinho; cf. ALVES 1994: 382.
14            Cf. FRAZÃO 1981; mas existe Chaim na freguesia de Várzea do Douro, Concelho do Marco de Canaveses, terra de vinho verde no século XIX; cf. Memória… 1867:64.     
15            Cf. FRAZÃO 1984; mas existe Covelo em Amarante, Famalicão, Baião e Felgueiras, e em muitas outras terras então produtoras de vinho verde; idem pp. 275/276.
16            Em ALVES 1994: 427 propõe-se que esteja por Quintas de Vilarinho que pertenceu à família Lobo d’Ávila, da qual fez parte Carlos Lobo d’Ávila, amigo de Eça e um dos “Vencidos da Vida”.
17            Veja-se o Dicionário de Eça de Queiroz, op. cit., p. 334 e seguintes, onde, a despeito de um pretensioso mapa intitulado «Geografia da “Casa de Ramires”» publicado na p. 335, a seguir, na p. 337, A. Campos Matos assinala muito claramente que era impossível a “Casa de Ramires” queirosiana localizar-se em Resende devido a muitos pormenores do texto. Para nós ela nem sequer existe enquanto tal; trata-se de uma metáfora literária situada na região dos vinhos verdes. E é tudo. O resto, o que para aí se diz, é aproveitamento abusivo de uma fantasia literária.
18            Em carta datada de Londres de 28 de Julho de 1885, Eça confessou ao seu antigo condiscípulo e futuro cunhado Manuel que foi em Canelas, na Quinta da Costa (hoje Solar Condes de Resende) que se apaixonou por Emília. Sobre as ligações do escritor a esta Casa ver GUIMARÃES, J. A. Gonçalves; CORREIA, Ana Filipa (2000) – Roteiro queirosiano de Vila Nova de Gaia. Vila Nova de Gaia: Solar Condes de Resende; sobre a história da propriedade e do seu enquadramento no património dos Resendes ver GUIMARÃES, Susana (2006) – A Quinta da Costa em Canelas, Vila Nova de Gaia (1766-1816). Família, Património e Casa. Vila Nova de Gaia: Confraria Queirosiana.   
19            Cf. Memória… 1867 referido na Nota 8.
20            Estes livros encontram-se no Arquivo comprado à família e que se guarda no Solar Condes de Resende em Vila Nova de Gaia. Sobre este arquivo ver GUIMARÃES 2006: 30-36. As referências das fontes utilizadas nesta comunicação são as seguintes:
- Conta Corrente da Caza dos Srs. Condes de Rezende. Porto e Quinta de Stº. Ovidio, 2 de Janeiro de 1854 a 30 de Junho de 1857; NCII.
- Conta Corrente da Caza dos Srs. Condes de Rezende, 1 de Julho de 1857 a 30 de Dezembro de 1862; P14.
- Conta Corrente da Caza dos Exmºs. Srs. Condes de Rezende, 1 de Fevereiro de 1862 a 31 de Outubro de 1868; PE13.
21            Cf. ARAÚJO, Luís Manuel de (2002) – Imagens do Egipto Queirosiano. Recordações da jornada oriental de Eça de Queiroz e o Conde de Resende em 1869. Vila Nova de Gaia: Solar Condes de Resende.   
22            As varas para as parreiras, pelo menos entre 1818 e 1832 eram importadas do Brasil, conforme pudemos constatar na listagem dos produtos importados pela Barra do Douro vindos daquele destino em trabalho que temos entre mãos.
23            Cf. Memória…1867:65.
24            Desde pelo menos o século XIV que o vinho destas freguesias chegava à cidade do Porto; cf. GUIMARÃES, J. A. Gonçalves (1987) – O comércio dos vinhos de Ribadouro e o desenvolvimento medieval e moderno de Vila Nova de Gaia; separata de Gaya, vol. V, 1987. Vila Nova de Gaia: Gabinete de História e Arqueologia, p. 140.
25            Também a Quinta da Costa, em Canelas, Vila Nova de Gaia, hoje Solar Condes de Resende, e que Eça certamente frequentou ainda jovem na companhia dos seus condiscípulos desta família, produzia vinho verde, provavelmente já no final do século XVII e seguramente na segunda metade do século XVIII no «Campo da Vinha» e no «Campo da Vinha dalém» nas imediações do solar. Porém devia chegar apenas para o consumo da Casa (cf. GUIMARÃES 2006: 44 e 193). Em Vila Nova de Gaia a produção de vinho verde, que era significativa ainda em 1867 (cf. Memória…62), foi depois totalmente suplantada, a nível rural, pela vinha americana no final do século XIX, mas também pela enorme quantidade de vinhos das mais diversas proveniências que chegavam aos seus armazéns, o que levou Camilo Castelo Branco a chamar-lhe a «taverna, que dá vinho para todo o mundo» no seu romance Onde está a felicidade? . 

Notas sobre as gravuras:

1. Na Carta Topographica da Cidade do Porto, de Augusto Geraldes Telles Ferreira, impressa em 1892, ainda aparece a Quinta de Santo Ovídio junto ao Campo da Regeneração (pormenor da folha 5), com os seus campos de cultivo, onde certamente se situavam as videiras que produziam vinho verde. Pouco depois desapareciam com a urbanização da própria Quinta, conforme se pode ver em PIRES, Maria do Carmo Marques (2004) - «A construção na Rua Alvares Cabral: transformações, apropriações e génese num espaço de referência da cidade [do Porto]». In II Congresso Internacional de História da Arte. 2001. Portugal, encruzilhada de culturas…Actas. Coimbra: Almedina, pp. 593-600.  

2. Um de nós (J.A.G.G.) publicou em GUIMARÃES & CORREIA: 77 esta fotografia pertencente à colecção da Srª D. Emília Maria de Castro d’Eça de Queiroz Cabral, com a legenda «Eça de Queiroz presumível retrato» por tal estar escrito a tinta no tardoz. Porém, A. Campos Matos, profundo conhecedor da iconografia queirosiana, afirmou-nos que não se lhe oferece qualquer dúvida de que esta fotografia é mesmo do escritor e, além do mais, foi guardada pela família.















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